Por: Patrícia Silva de Jesus
Na minha ousada opinião, a palavra mais elegante, sonora, poética e imperativa atualmente é Acessibilidade. Chega a ter um efeito terapêutico pronunciar, pausadamente: a-ces-si-bi-li-da-de. Esse é um terreno onde me sinto à vontade para pisar, porque finquei bandeira no movimento de inclusão social de pessoas com deficiência visual em 1997 e de lá para cá presenciei e participei de toda evolução do discurso e também da prática das propostas ideológicas e tecnológicas que objetivam a construção de uma sociedade mais igualitária, onde a informação chegue ao receptor através do veículo que atenda à sua necessidade sensorial, onde o diálogo se estabeleça baseado no direito vital de sermos diferentes.
Tanta coisa mudou desde o tempo em que me arriscava a transcrever para colegas cegos, voluntariamente, pequenos textos em Braille em pranchetas especiais [Regletes] e máquinas semelhantes às de datilografia convencional. Já profissional firmada na área, mal pude acreditar quando pus as mãos em uma impressora norte americana que, através de um software assistente de impressão, possibilitava a produção de livros em Braille, ampliando minha capacidade de atender às necessidades de universitários cegos de Salvador e de outras cidades. O trabalho que eu faria em semanas de dedicação integral, era feito em uma tarde.
E a tecnologia continuou expandindo as possibilidades de acesso ao universo dos livros para os que não podem enxergar, ao mesmo tempo em que ampliava minhas condições de produção e de interação com pessoas de diferentes perfis. Sentia necessidade de me atualizar para melhor atender e percebia que nessa busca acontecia o crescimento, a expansão de horizontes, a ampliação do meu olhar sobre o que é, de verdade, não enxergar. “A vida não é só isso que se vê”, diria Adélia Prado, plena de razão.
Passei a produzir Livros Falados em fitas K-7 que, aliados ao Braille, agilizavam o acesso à leitura. Quando os pendrives com gravadores e reprodutores digitais de som se tornaram mais populares e muito usados por pessoas cegas, comecei a experimentar formas mais sofisticadas de impressão de voz. Ainda não sabia que em poucos anos seria consultora da Unesco e que implantaria e monitoraria o Projeto Livro Acessível, formando profissionais para o uso das Tecnologias Assistivas e estabelecendo Normas Técnicas de acesso aos livros e às imagens por indivíduos visualmente limitados.
Adeus ao K-7. Agora posso enviar meus arquivos sonoros para as pessoas com deficiência visual por e-mail, porque cegos também usam internet para estudar, para trabalhar, encontrar amigos e fazerem todas as coisas que podem fazer online [e algumas vezes o que “não podem” também – risos], desde que haja condições de acesso. Não basta àquele que não enxerga saber usar a internet; será necessário que o site seja compatível com as ferramentas que os cegos usam. Não se pensa em construção de sites para cegos, mas em construção de uma internet mais democrática, coerente, conectada [já que é rede], mais diversificada, ou seja, acessível.
Em 2007 criei um blog pessoal [Patricitudes], o primeiro no Brasil a utilizar os princípios da Audiodescrição, oportunizando aos visualmente limitados a apreciação das imagens que ilustram meus textos.
Ser convidada pelo Bahia na Rede para assinar esta coluna me deixou feliz pela possibilidade de falar para mais pessoas que elas podem ter atitudes mais acessíveis e pela oportunidade de compartilhar o saber que fui acumulando nesse tempo de vivência. Marcus Gusmão me bombardeou com centenas de perguntas acerca de como fazer o site ser um espaço virtual acessível. O entusiasmo na voz, o interesse na acessibilidade na web e a confiança em me entregar uma coluna em um site de notícias acessado por pessoas de perfis tão diversificados me deixaram comovida. O Bahia na Rede está nascendo da forma certa, acreditando no direito à informação como ferramenta de empoderamento, e defendendo que essa informação deva estar para todos.
Trabalharemos pela adequação do Bahia na Rede cotidianamente, porque queremos nossos leitores aqui, cotidianamente! E se é bom para os visualmente limitados receberem a informação de forma integral, para mim é ótimo poder falar, para cegos ou videntes, e saber que estou sendo vista, ouvida, lida. E uma pequena revolução começa a acontecer. E o sonho de uma sociedade mais democrática, paulatinamente, vai se tornando mais real. Um brinde à estréia do site e um Viva à Acessibilidade!
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Patrícia Silva de Jesus é Especialista em Educação Especial e Consultora de Tecnologias Assistivas associadas à deficiência visual. Também atua como Professora em cursos de Pós-graduação em universidades públicas e privadas.